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O Setorial de Transportes do PT nasceu junto com o Partido dos Trabalhadores. O objetivo sempre foi o de fomentar políticas públicas para o transporte coletivo e logística para distribuição de mercadorias. Estamos abrindo esse espaço para ampliar a discussão sobre o tema.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Vá de ônibus e pague caro



As viagens no Brasil custam muito na comparação com o exterior – e a agência reguladora descumpre ordem de fazer licitações para linhas interestaduais.

O passageiro que quiser ir de ônibus do Rio de Janeiro para São Paulo, ou vice-versa, e chegar à Rodoviária Novo Rio ou à do Tietê, em São Paulo, pode optar entre os serviços de quatro empresas: Expresso do Sul, Expresso Brasileiro, Autoviação 1001 e Itapemirim.

Em tese, essa concorrência deveria resultar em variações de preço para o consumidor. Mas não é isso que ocorre. Os preços cobrados para uma passagem num ônibus convencional são os mesmos em todas as empresas – e todas seguem o teto fixado para a tarifa pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), o órgão criado em 2001 para regular e fiscalizar o setor de transportes.

A prática de preços idênticos em todas as empresas também acontece em outras linhas de ônibus interestaduais lucrativas do país, como São Paulo-Belo Horizonte ou Rio de Janeiro-Belo Horizonte.

Na comparação com os Estados Unidos, um país de dimensões continentais semelhantes às do Brasil, o passageiro paga aqui até 150% a mais por quilômetro.

As principais linhas interestaduais de ônibus no Brasil são divididas por grandes empresas, como a Itapemirim (faturamento de R$ 680 milhões em 2010) e o Grupo JCA, que reúne a Autoviação 1001, a Expresso do Sul, a Viação Cometa e a Autoviação Catarinense (faturamento de R$ 1,2 bilhão, em 2011).

Das empresas procuradas por ÉPOCA, apenas a Itapemirim comentou a coincidência de preços. A empresa disse que, na alta temporada, cobra as tarifas mais altas permitidas, mas já fez várias promoções em períodos de baixa.

No entanto, se um passageiro tenta comprar hoje uma passagem para junho (um mês de baixa temporada), o preço é exatamente o mesmo.

Será que existe no mercado brasileiro de viagens interestaduais de ônibus um cartel, a prática de as empresas dividirem o mercado entre si de modo a limitar a concorrência e definir os preços?

Para o professor Bruno Lewicki, coordenador do curso de Direito do IBMEC-Rio, os preços uniformes em todas as empresas são um forte indício de que sim.

“Na extensão que foi verificada, esse paralelismo merece uma atenção maior das autoridades de defesa da concorrência. Justifica uma investigação”, diz Lewicki.

Na ANTT, existe uma Gerência de Defesa do Usuário e da Concorrência para fiscalizar as empresas e inibir os comportamentos oligopolistas. Mas, 11 anos depois de sua criação, é a própria ANTT que parece necessitar de uma fiscalização.

Desde 2008, a agência descumpriu uma ordem do Supremo Tribunal Federal (STF), inúmeras recomendações do Ministério Público Federal (MPF) e várias decisões do Tribunal de Contas da União (TCU) para fazer algo que poderia abrir o mercado das viagens de ônibus para mais concorrência: lançar o edital de licitação das linhas interestaduais.

98,5% das concessões das linhas interestaduais nunca foram licitadas. Várias são da década de 1950. Três empresas que fazem a linha Rio-São Paulo têm as mesmas concessões desde 1951, sem nunca ter participado de um processo licitatório. A linha Belo Horizonte-Rio de Janeiro está com a Viação Cometa e a Útil desde 1956.

Em 1998, o então presidente Fernando Henrique Cardoso baixou um decreto com o objetivo de dar fim a essas licenças infinitas. O decreto determinou que as concessões teriam um prazo improrrogável de 15 anos, contados a partir de 1993, e que as licitações teriam obrigatoriamente de ser realizadas em 2008.

Antes mesmo de o prazo expirar, o então presidente do STF, Gilmar Mendes, numa decisão de setembro de 2008, deixou claro: “Se a União e a ANTT não adotarem as providências necessárias para a abertura do procedimento licitatório até a data de 6 de outubro, ocorrerá, de fato, lesão à ordem pública”.

Apesar disso, a ANTT vem protelando as licitações, não atende às exigências dos órgãos fiscalizadores e lança cronogramas com prazos para os editais, nunca cumpridos.

Num primeiro momento, a desculpa para tal procrastinação era a necessidade de um levantamento minucioso do mercado. Em novembro de 2009, a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) foi contratada e realizou uma enorme pesquisa encerrada em abril de 2010.

Naquele mesmo ano, a ANTT enviou ao MPF um programa em que garantia que os editais de licitação sairiam até novembro de 2010. Não saíram. Por pressão do MPF, a ANTT lançou outro cronograma, no qual se comprometia a publicá-los até julho de 2011.

Nada aconteceu. Uma nova promessa para janeiro de 2012. Idem. Agora, a ANTT diz que lançará a concorrência em abril.

“Depois de tantas promessas descumpridas, só vamos acreditar depois dos editais lançados. Para o MP o tempo está esgotado”, diz o procurador da República Thiago Lacerda, do Grupo de Transportes do MPF.

Esse ceticismo tem uma razão: a ANTT vem recorrendo a artifícios para prorrogar as concessões das empresas, sem fazer as licitações. Desde 2008, elas operam via Autorizações Especiais.

É uma forma de dar continuidade ao transporte, enquanto as licitações não são feitas. Para os órgãos fiscalizadores, as autorizações e suas renovações consecutivas apenas denunciam o desinteresse da ANTT em abrir o mercado.

Em 2009, um acórdão do TCU proibiu a ANTT de prorrogar as autorizações para além de dezembro de 2011. No ano passado, porém, a ANTT autorizou seis empresas a operar suas linhas sem licitação até dezembro de 2012.

Num caso específico, foi concedido à empresa Planalto Transporte o direito de explorar uma linha entre Santa Maria, no Rio Grande do Sul, e Palmas, no Tocantins, até dezembro de 2013.

O homem com a atribuição de promover as licitações, Bernardo Figueiredo, diretor-geral da ANTT desde 2008, está à espera apenas de uma chancela do Senado para ser reconduzido a mais um mandato à frente da agência.

Até agora, o único obstáculo à recondução de Figueiredo é o senador Roberto Requião (PMDB-PR). Ele acusa Figueiredo de envolvimento numa tentativa de superfaturamento de R$ 320 milhões numa obra da América Latina Logística (ALL), empresa que detém 40% da malha ferroviária nacional.

Figueiredo passou pela sabatina da Comissão de Serviços de Infraestrutura do Senado – e a votação deve acontecer em plenário nesta semana.

Se Figueiredo for reconduzido pelos senadores (e ao que tudo indica isso ocorrerá), ele terá mais dois anos para entregar o que até agora não foi capaz de fazer.


Fonte: Revista Época, Por Leopoldo Mateus

Foto: Revista Época

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