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O Setorial de Transportes do PT nasceu junto com o Partido dos Trabalhadores. O objetivo sempre foi o de fomentar políticas públicas para o transporte coletivo e logística para distribuição de mercadorias. Estamos abrindo esse espaço para ampliar a discussão sobre o tema.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Entrevista: Marcus Quintella

Data de publicação: 21/12/2010

Autor: Lilian Milena

Para se resolver o problema do caos no transporte público das grandes capitais brasileiras será preciso aumentar em 500 km a malha ferroviária do País até 2060 a um custo médio de R$ 4 bilhões ao ano, ou o equivalente a 0,2% do PIB brasileiro. Na visão do professor Marcus Quintella, da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e diretor técnico da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) tal aporte viabilizaria acrescentar anualmente 25 Km de linhas ferroviárias ou de metrôs.

Em entrevista ao Brasilianas.org, Quintella fala da importância de se desenvolver sistemas de transportes urbanos de Rio e São Paulo, paralelo à proposta de construir um sistema único que una as duas regiões, no sentido de priorizar o desenvolvimento de transportes urbanos locais frente à ideia de se estabelecer uma megalópole, termo que designa a aglomeração de metrópoles ou regiões metropolitanas.

Para se ter ideia, a eficiência energética de um trecho de metrô é 15 vezes superior à de automóveis, sendo que uma composição típica dessa modalidade comporta 1.200 passageiros, número correspondente ao que uma fila de 25 ônibus ou 830 automóveis pode transportar.

O que pesa contra a expansão desse meio de transporte nos centros urbanos é seu custo que gira entre 50 milhões e 100 milhões de dólares o km pronto. A variação é grande porque depende das condições locais geológicas e do tipo de obra que pode ser para elevados, enterrados, de superfícies, ou num percurso que exige até essas três modalidades. O trecho construído de metrô custa em média dez vezes mais que um trecho construído para o transporte rodoviário.

Confira entrevista:

Brasilianas.org – Fala-se muito de uma megalópole juntando Rio de Janeiro e São Paulo. Qual seria a importância de um trem para unir essas regiões para, de fato, influenciar troca de informações, melhorar o comércio?

Marcus Quintella – Isso é uma fantasia, que todo mundo tem de criar uma megalópole entre Rio e São Paulo. Isso não vai existir nunca por questões até culturais, e têm ‘n’ cidades entre as duas. Não haverá uma junção num médio prazo. Seria uma loucura, imaginar, ter um tecido urbano totalmente ininterrupto, acho muito pouco provável que aconteça.

O que tem grande importância são os desenvolvimentos de sistemas de transportes urbanos dessas duas cidades. Isso que tem que ser a maior preocupação hoje. Não só das duas, como de todas as médias e grandes cidades brasileiras que hoje estão sofrendo barbaramente problemas de congestionamentos e mobilidade urbana.

BO – Então primeiro deve-se resolver o problema internamente?

MQ - Por exemplo, estou saindo do prédio da CBTU para uma reunião e estou no carro há pelo menos 40 minutos, num trajeto que deveria fazer em 20 minutos. E estou no meio do caminho. Quem paga o tempo que estou perdendo? Tenho funcionários que levam duas horas e meia pra ir e duas horas e meia para voltar, totalizando cinco horas por dia dentro de um módulo de transporte, e muitas vezes de forma muito ruim, desconfortável, insegura, estressante.

Quem paga? Isso é um malefício social imensurável, não tem preço.

BO – A gente sabe que, historicamente, foi dada prioridade aos sistemas rodoviários. Há um movimento nos centros urbanos para dar prioridade, agora, tanto a trens quanto a metrôs?

MQ - Isso é um dos grandes avanços políticos do nosso país. Nos últimos três anos, pelo menos tenho presenciado isso no governo federal, como diretor da CBTU, a palavra trem urbano tem surgindo constantemente entre os políticos. O político às vezes pode nem entender, mas se você perguntar para ele qual é a solução hoje de mobilidade urbana nas cidades, o sujeito vai falar que o transporte da massa, hoje, tem que ser sobre trilhos, tem que ter metrô, tem que ter veículo leve sob trilho (VLT), tem que ser baseado em trem.

Tanto que hoje existem emendas parlamentares, projetos. Em todas as cidades, se for conversar com prefeitos, vereadores e deputados estaduais e federais, os sujeitos querem levar para suas cidades o trem.

BO – Então podemos dizer que, daqui para frente, veremos aumentar de forma significativa as obras para esse tipo de modalidade?

MQ - Sem dúvida alguma, se continuar essa tendência, que acho que é irreversível pela mentalidade política positiva em relação ao trem. Chegamos à conclusão de que não há competição com o módulo rodoviário. Você não vai anular de maneira alguma o transporte rodoviário, pelo contrário, a gente vai ter cada vez mais necessidade de alimentar esse sistema. Outra coisa que contribui é que as indústrias mundiais estão mirando o Brasil hoje.

Tivemos, há um ano e pouco, inauguração de uma fábrica da CAF [Construcciones y Auxiliar de Ferrocarriles AS], espanhola. A Alston, francesa, tem uma fábrica aqui. E elas ganharam concorrência da CTBU para fornecer trens para o Recife. E tem a indústria nacional, que é a Bom Sinal, que está construindo nossos trens lá do Nordeste. Quer dizer, isso é um avanço que nunca se viu no país em termos ferroviários, e de passageiros, principalmente.

BO – Antes se dizia que o desafio era em termos de recursos, ainda mais porque metrô é uma obra muito cara. Mas isso tem mudado, certo?

MQ - É uma idéia equivocada. Não existe o caro quando está se falando de benefício social. Você não pode falar em investimento público de retornos de tributos do cidadão como caro. Não existe isso. Qualquer avaliação econômica que for feita vai mostrar a viabilidade sócio-econômica e ambiental do sistema de trens.

Então, por mais caro, no sentido da palavra em termos de grande investimento, os retornos são muitos significativos em termos de redução de tempo de viagem, em termos de redução de acidentes, em termos de redução de poluição atmosférica, de geração de empregos, valorização imobiliária, conforto.

As pessoas falam muito sobre valores, mas os benefícios são eternos. As cidades são mais felizes no mundo inteiro onde tem o transporte, onde ele existe, simplesmente ninguém se preocupara com ele. Você sair de casa e saber que o transporte vai estar lá e vai te atender, é uma preocupação que não existe na Europa. O transporte lá não é uma coisa que você tem que se preocupar. E hoje, no Brasil, o transporte é uma preocupação do cidadão, tanto fisicamente como monetariamente. Ele incomoda tanto em termos físicos, de você ter que encontrá-lo disponível, como, quando ele existe, é muito caro e afeta sua vida monetária, seu orçamento familiar.

BO – Você falou da Europa. A gente tem Paris, que tem a integração dos meios rodoviário e metroviário de uma forma muito avançada. Temos, no Brasil, algum centro urbano que esteja mais próximo, para caminhar nesse sentido, de saber integrar transportes públicos dessa forma?

MQ - São Paulo tem uma característica semelhante a Paris, porque ele tem um sistema de trens urbanos, que seria a CPTM. Esse sistema é muito parecido com o de Paris, no sentido de ter o metrô no centro da metrópole. O problema é o tamanho da rede, você tem que expandir.

O plano base de São Paulo, guardadas as devidas proporções, tem uma tendência de ser uma Paris, daqui a alguns anos. Porque você tem tudo em São Paulo para criar uma malha ferroviária, metroferroviária, com o trem, chamado metropolitano, e o trem suburbano que seria os trens da CPTM, que é uma belíssima malha – daqui a alguns anos pode ser modernizada, ela já é integrada ao metrô. E mais tudo que você conseguir fazer com integração rodoviária.

São Paulo, quando sair dos 60 e poucos quilômetros, que é irrisório para a região de metrô, e passar para uma rede de 150 km, mais os 250 km que tem na CPTM, terá uma malha fantástica. Isso vai levar alguns anos, agora vai passar de 60 para 80 km com os investimentos que o governo de São Paulo está fazendo. Se você prestar atenção, também em São Paulo, a região do ABC está começando a fazer a integração com o metrô.

Estamos desenvolvendo um projeto em São Bernardo do Campo, um metrô de superfície, com a prefeitura local em parceria com o governo de São Paulo e estamos jogando um metrô leve em São Bernardo do Campo que vai integrar na estação de Tamanduateí.

BO – Qual é a previsão?

MQ - Estamos em projeto, mas no ano que vem já deve deslanchar. Isso é uma situação muito legal, porque, daqui a pouco, Santo André, Diadema e outras vão querer. Santos já tem um sistema que está sendo desenvolvido internamente. Tudo bem que Santos é longe, mas já tem redes, e estão desenvolvendo um VLT – veículo leve sobre trilho. Então há uma tendência muito grande de São Paulo se tornar uma megalópole muito bem servida de transporte nos próximos 40 ou 50 anos.

BO – A que se deve o deslanche dessa visibilidade dada agora a esse meio de transporte? São vários fatores? Por que se demorou tanto tempo para se tomar consciência, inclusive entre os políticos, de dar preferência a esse meio de transporte?

MQ - Isso aí já vem de vinte anos, e talvez até mais, de trabalhos acadêmicos, de palestras, e de associações de ferroviários. A indústria também vem apoiando, fazendo trabalhos. Ou seja, uma comunidade ferroviária que vem fazendo lobbys, no bom sentido da palavra.

Mas estamos no início do processo, ainda falta muito. Porque agora tenho que sair da ideia, uma vez que todo mundo está falando, mas ainda não está colocando o dinheiro que deveria colocar. Mas é um passo. Estou há 25 anos na CBTU, e nunca, fazendo até uma referência ao nosso presidente, nunca na história desse país se investiu tanto em trem urbano, no governo federal, pelo menos nos últimos seis anos. Foi pouquíssimo em relação ao que precisaria, mas foi feito.

BO – Hoje temos algum problema que impere entre as dificuldades de construir novas linhas, em termos de tecnologia?

MQ - Nós temos a melhor engenharia civil do planeta, nossas empresas nacionais fazem metrô no mundo inteiro, nossas grandes construtoras fazem metrô em Miami, Europa, trens de velocidade. Quero dizer que a indústria brasileira hoje está sendo muito capaz. O que eu preciso é de recurso, dinheiro. Até porque não temos só a indústria nacional, mas o mundo inteiro fornecendo, hoje.

BO – Qual é o custo por quilômetro médio construído hoje, de trem ou de metrô?

MQ - A grosso modo, porque varia se o metrô é de superfície ou enterrado, se é elevado, pode ser com os três, de 50 milhões a 100 milhões de dólares o quilômetro todo pronto. Depende muito das condições geológicas, depende das condições de qualidade, de especificação. Então, você tem essa amplitude, dependendo do trecho. Mas é um projeto todo justificado pelos benefícios que citei.

BO – E dentre esses benefícios estão os estudos de impacto da chegada do metrô e trens nas comunidades, que contribui para acelerar o desenvolvimento sócio-econômico nas comunidades onde chega...

MQ - Exatamente.

BO – Pelo jeito, apesar das dificuldades, a gente pode ver com otimismo o desenvolvimento agora de novas linhas de trens, enfim, do transporte ferroviário no país, ajudando a atender a demanda de passageiros?

MQ - Hoje, principalmente em termos de investimentos federais, estamos muito satisfeito com tudo o que vem acontecendo. Estamos encerrando um ciclo. Até agora realmente fizemos avanço grande, em todo o Brasil. Passamos com implemento de metrô em dez cidades, até Curitiba, uma cidade que, até então era eminentemente rodoviária, está rendendo ao sistema metroferroviário. Quero dizer, todo o projeto de Curitiba está sendo desenvolvido hoje pela CTBU, para ser substituído todo o sistema rodoviário, pelo sistema de metrô, e o ônibus não vai sumir, vai simplesmente suplementar o metrô.

Então é aquilo que eu falo, não há competição em relação ao ônibus, que não vai acabar, não há preocupação ou competição com o módulo rodoviário. Isso é um avanço. A expectativa para o ano que vem, com a Copa do Mundo, com Olimpíadas... No Rio de Janeiro só se fala de expansão do metrô, na linha 4, expansão da linha 1. As pessoas também falam do VLT, estamos inaugurando o primeiro VLT nacional, lá em Maceió. Em Juazeiro do Norte temos um trem experimental rodando. Tudo isso é o início do processo. Em trinta anos veremos tudo isso explodindo.

BO – Quintella, para termos uma ideia desse crescimento, quantos quilômetros de trilhos foram acrescentados à malha nacional nos últimos anos, é possível ter esses dados?

MQ - Uma coisa muito falha, que tem que melhorar no país é exatamente esses dados. Estamos muito deficientes em estatística. Não sei precisar, mas houve um avanço muito grande.

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