Quem sou eu

Minha foto
São Paulo, São Paulo, Brazil
O Setorial de Transportes do PT nasceu junto com o Partido dos Trabalhadores. O objetivo sempre foi o de fomentar políticas públicas para o transporte coletivo e logística para distribuição de mercadorias. Estamos abrindo esse espaço para ampliar a discussão sobre o tema.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

URBANISMO - Ampliação da Marginal do Tietê, em São Paulo, gera debate sobre políticas urbanas de transporte

Projeto de ampliação da Marginal Tietê - via mais movimentada do Brasil, com 1,2 milhão de viagens por dia - traz novas pistas e novas pontes. E traz também muitas polêmicas sobre a política urbana

Eduardo Nobre comenta a prioridade urbanística da ampliação da Marginal Tietê


A prioridade urbanística da obra a partir da questão do transporte de passageiros da Região Metropolitana de São Paulo e de sua compreensão no processo histórico de atuação pública


Por Eduardo Alberto Cusce Nobre


Revista Pini


O velho calcanhar de Aquiles da paulicéia, já muito mais que desvairada, em obras. O verão. As chuvas e muita enchente. Essa é a imagem que se tem da atual Marginal Tietê, em processo de ampliação e recuperação urbana. Para muitos - arquitetos, engenheiros, urbanistas, geógrafos, vereadores, e até o próprio Ministério Público -, um grande escândalo. Para os poderes públicos municipal e estadual de São Paulo, uma necessidade para o futuro.


A imagem urbana projetada pela Dersa (Desenvolvimento Rodoviário S.A.) traz, além de três novas pistas em cada lado da marginal, novos e revigorados complexos viários que interligam o centro nevrálgico do trânsito paulistano a bairros adjacentes e importantes rodovias, com alargamentos de 16 m em pontes já existentes, que receberão uma faixa a mais. Ainda na promessa de melhorar o aspecto visual desse mar de lama - ou de carros -, que é a Marginal Tietê em finais de tarde de verão (nada poético, vale lembrar), há a proposta de fazer o que Paulo Vieira de Souza, diretor de engenharia da Dersa, chama de "maior projeto de compensação ambiental já visto no Brasil", com a plantação de milhares de árvores.

Mas Paulo também lamenta: "O ideal seria que pelo menos 200 m de várzea tivessem sido preservadas há 50 anos- não temos dúvidas técnicas sobre isso", afirma. No auge da política pública dos anos dourados, de incentivo à indústria (automobilística, em especial) e ao transporte sobre pneus, foi justamente a impermeabilização que prevaleceu.

Assim, se quem está na chuva é para se molhar, o diretor de engenharia da Dersa conta o que está por detrás da ideia de impermeabilizar outros 19 hectares na região, compensados por 25 hectares de passeio com grama e árvores: "A obra atual faz parte de um plano pensado há vários anos, para um sistema viário metropolitano estratégico - no qual se inclui o Rodoanel e as obras de extensão e melhoria do Metrô e da CPTM - para aumentar cada vez mais a fluidez do tráfego".

Serão 46 km de obra, 23 km em cada sentido, divididos em três trechos: o primeiro, Cebolão/Anhanguera (4 km de cada lado da marginal), executado pela concessionária Via Oeste/Autoban; o segundo, Viaduto da CPTM/ponte do Tatuapé, sob responsabilidade da própria Dersa e com 15,2 km de extensão em cada lado; e um Trecho III, ou Tatuapé/Ayrton Senna, de 3,5 km, executado pela Ecopistas. O custo orçado é de cerca de 1,8 bilhão de reais, o que inclui obras, compensações ambientais, interferências, sinalização horizontal e vertical e monitoramento eletrônico nas marginais Pinheiros e Tietê.

Os recursos do Governo do Estado entram a partir do Tesouro e de obrigações contratuais com as concessionárias. Uma pista central em cada lado, com três faixas, serão entregues em março. Os complexos de interligação deverão estar prontos até outubro de 2010. "Hoje existem de sete a nove faixas, que serão ampliadas para 10 a 12, havendo locais com até 14 faixas", explica Paulo Vieira.

Serão implantadas seis novas faixas de rolamento, sendo três por sentido. Haverá ainda quatro novas alças: uma na ponte Cruzeiro do Sul, sentido bairro/Castelo Branco, pela pista local; outra na ponte das Bandeiras, sentido cidade/Ayrton Senna, pela pista expressa; e duas na ponte do Tatuapé - uma no sentido da pista expressa da marginal interna/Tatuapé e outra no sentido Tatuapé/Ayrton Senna, também pela expressa. Deverão ainda ser readequadas as alças de acesso das pontes Freguesia do Ó, Limão, Casa Verde e Jânio Quadros (Vila Maria).

O complexo Tamanduateí receberá passagem direta para quem vier pela Avenida do Estado rumo à zona Norte ou ao Anhembi. "Um viaduto será construído sobre o rio Tietê para sair dessa avenida e desembocar diretamente nas pistas locais da marginal, além de acessos para quem vem pela expressa." No lado do rio Tamanduateí, mais uma ponte com acesso à nova pista central. "A atual pista que passa pelo Bom Retiro também será alargada."

Para a implantação das pistas centrais serão construídos oito pontilhões destinados à travessia dos córregos afluentes do Tietê, além de três novos viadutos que facilitarão o acesso e a saída da marginal - o primeiro com a Avenida Santos Dumont no sentido Ayrton Senna; um na chegada da Rodovia Presidente Dutra, sentido Castelo Branco, além de uma nova ligação direta da marginal à Avenida Salim Farah Maluf, próxima à ponte do Tatuapé.

Surgirão, assim, quatro novas pontes, para quem precisar atravessar o rio: sobre o rio Tamanduateí, paralela à já existente; junto ao Complexo da Avenida do Estado, com alças auxiliares em ambas as margens; junto à ponte Cruzeiro do Sul, para quem vem da zona Leste em direção ao Centro, e a nova do Tatuapé, para quem vem da Salim Farah Maluf, nos sentidos Castelo Branco ou Ayrton Senna.

"Hoje a Marginal Tietê é prioritária em relação ao próprio Rodoanel Norte", diz o diretor da Dersa. Outra alternativa estudada foi o projeto para uma marginal elevada, como o Minhocão. "Mas o fato é que estávamos esgotando a capacidade de fluidez da via, e após analisarmos os pontos positivos e negativos de cada uma das propostas, optamos pela introdução de uma nova pista expressa sobre os canteiros centrais, para cuja obra não houvesse paralisação do trânsito, e que pudesse ser executada em sete meses, com 24 horas de trabalho por dia se necessário, criando o mínimo de transtorno para a cidade", conta Paulo Vieira.

Ainda segundo a Dersa, a frota de veículos de São Paulo aumenta em 30% a cada cinco anos. "O Brasil usa a Marginal Tietê", diz Paulo Vieira, e afirma que a principal artéria de circulação da metrópole representa 30% do total de congestionamentos. "Se melhoramos a marginal, melhoramos todo o resto."


Do contra O IAB-SP lançou um Manifesto de Protesto e Repúdio às obras da marginal, assinado pelo arquiteto Vasco de Mello. Segundo o autor, "em total contradição com o projeto do Rodoanel - que corretamente objetiva desafogar o tráfego veicular da área urbana do município -, a ampliação do número de faixas de rolamento das marginais do Tietê constitui-se num indutor à circulação de veículos naquela área central da cidade, negando todo o embasamento conceitual de tráfego que guiou os estudos de implantação do Rodoanel".

Para a Dersa, não há contradição alguma. A obra da marginal apenas se insere em um contexto de grandes obras, dentre elas o Rodoanel, que pretendem aumentar a fluidez do tráfego.

"Também sou contra as obras", diz o ex-vereador, arquiteto, urbanista e professor da FAUUSP Nabil Bonduki. "A obra contraria aquilo que o planejamento da cidade requer, inclusive o que está definido no próprio Plano Diretor, sobre a preservação dos fundos de várzea; não concentra esses investimentos em transportes coletivos ou vias paralelas à marginal. O melhor era investir tudo isso na mudança da nossa matriz de transportes."

Para Bonduki, a mudança na Marginal Tietê é estrutural e aumenta muito os custos totais para São Paulo. "E os problemas estruturais não vão ser sanados só com o aumento do número de vias." Ele acha que, no curto prazo, haverá uma sensação de alívio do trânsito, com a inauguração simultânea do Rodoanel Sul, da Linha 4 do Metrô e das novas pistas na marginal. "O alívio do trânsito é a segurança das campanhas eleitorais. Entretanto, quanto maior for a oferta viária da principal artéria de circulação paulista, maior é a tendência de que o usuário faça opção por ela. Esse tipo de obra gera grandes expectativas na população e o resultado, no longo prazo, não é positivo, porque também incentiva o aumento do número de veículos na metrópole", explica.

Vasco de Mello concorda com a falta de uma visão mais estruturada e ampla para a cidade, por parte do poder público: "O tempo (mais curto do que se imagina) vai mostrar o grande absurdo que é essa obra", aponta. Para ele, os estudos de impactos ambientais, sociais e econômicos teriam sido aliviados para o desenvolvimento de um projeto na surdina, do qual a divulgação coincidiu com a abertura dos canteiros de obra.

A promotora Maria Amélia Nardy Pereira, do Ministério Público de São Paulo, manifestou-se por uma Ação Civil Pública com um pedido de liminar que suspendesse a obra: "Foi muito pouco divulgada a audiência pública onde se debateu o projeto", lembra. Nabil Bonduki confirma: "Havia pouquíssima gente, com quase nenhuma divulgação da audiência, exatamente para que, quando fosse divulgado o projeto, as obras já estivessem em andamento", argumenta.

A Ação Civil baseava-se também em parecer técnico elaborado pela AGB (Associação dos Geógrafos do Brasil). Seus autos versam sobre a possibilidade de futuras intervenções na região do Tietê para regularização e adequação dessa obra, "o que implicará descabido ônus ao erário". Para a promotora, é óbvio o problema gerado pela impermeabilização, ainda maior onde há várzea de rio, o que aumentará os riscos de enchente. "A obra não poderia ter sido licenciada pela Secretaria Municipal do Meio Ambiente, uma vez que, envolvendo toda a região metropolitana, afeta várias cidades circunvizinhas, localizadas na denominada Bacia do Alto Tietê. Isso comprova que o licenciamento deveria ter sido realizado por órgão estadual competente." Maria Amélia aponta que, mesmo não estando muito clara a forma como a compensação ambiental será feita - para ela, os parques lineares estarão distantes do local da obra -, a Justiça indeferiu a liminar requerida. "A ação está sendo tocada, mas a obra ficará pronta em março, então não teremos mais como impedi-la."

Para todos que são contra a obra, é unânime a opinião de que a Marginal Tietê anda perigosamente na contramão. "A inteligência com vontade de acertar resulta em atitudes como a de Seul, que transformou seu maior rio em imensa área de expansão urbana e optou por acessos viários subterrâneos. Enquanto o povo brasileiro não tiver uma educação cidadã, não teremos respaldo contra esse tipo de política pública", conclui Vasco.

Em compensação Ainda para o IAB, a obra "zomba" do massivo investimento feito pelo Governo do Estado para recuperação dos taludes, com o plantio de árvores "que serão totalmente suprimidas".

A Dersa, no entanto, rebate a acusação, dizendo que, ao final das obras, a marginal terá o triplo da vegetação que tem atualmente. E que, do total do valor da obra, 14% é destinado ao projeto de compensação ambiental para a Marginal Tietê. Serão plantadas 15 mil árvores de espécies nativas como paineiras, jequitibás-rosa, ipês brancos e roxos, jatobás, paus-brasil, paus-ferro e sibipirunas. "A ideia é que 20% dessas espécies sirvam de alimento para a fauna da área." A Dersa promete ainda plantar 83 mil mudas dentro de projetos paisagísticos para os entornos das oito Subprefeituras que ficam ao longo da marginal - Casa Verde, Freguesia do Ó, Lapa, Mooca, Pirituba, Santana, Sé e Vila Maria.

Prevê-se também a instalação de calçadas verdes, com redução da poluição e da temperatura média da região, já que, em projeto, a área total de passeios arborizados deverá superar a nova área impermeabilizada em seis hectares. Segundo a oposição, o difícil é acreditar que uma área de 0,06 km2 verdes fará alguma diferença à poluição e à temperatura média na marginal, considerando o esperado aumento do número de veículos.

Para Nabil Bonduki, a questão não é de compensação. "Se você continua impermeabilizando ainda mais as cabeceiras, a situação só poderá piorar. É errado usar a compensação ambiental como justificativa para a obra, porque os parques têm de ser feitos de qualquer jeito, mesmo sem as novas pistas e complexos viários. É claro que a marginal é um velho erro; o problema é que esse erro está sendo reforçado com novos investimentos."

A Dersa calcula ainda reduzir em 35% o tempo médio de viagem - o que significaria redução da emissão de CO2 e consequente melhoria da qualidade do ar, além de redução do desperdício de combustível em aproximadamente 300 mil litros por dia. "A obra está impermeabilizando 0,006% de toda a Bacia do Tietê", argumenta o diretor de engenharia da Dersa. Para a promotora do Ministério Público, o triste é pensar que essa porcentagem se concentra em apenas 23 km de extensão de rio.

Outro argumento que Paulo Vieira apresenta é o projeto do parque, assinado por Ruy Ohtake, que também faz parte do jogo de compensação ambiental. Serão 24 km, da barragem da Penha até Itaquaquecetuba, "com parques e equipamentos de uso social, para que não surjam novas construções no futuro", explica. É a primeira etapa de um grande projeto de parque linear que deverá ter pouco mais de 70 km para a recuperação da várzea do rio chegando até Salesópolis, onde nasce o Tietê.

De via elevada a parque: o caso Coreia do Sul


O canal Cheonggyecheon, em Seul, divide a cidade em Norte e Sul e havia se transformado em autopista suspensa para dar vazão à circulação de veículos, que só aumentava com o desenvolvimento econômico do país.

Tendo primeiramente se transformado em esgoto a céu aberto, o leito do rio foi edificado, dando origem à mais importante artéria viária da cidade, com uma segunda via de alta velocidade, elevada, de seis pistas(1). Em 1999, veio a ideia de demolir o elevado. Não para construir mais vias, mas para trazer de volta o rio, melhorar a qualidade de vida da população, reduzir os índices de poluição, reverter a contaminação ambiental e melhorar a ventilação local.




O projeto de recuperação foi apresentado em 2002 pelo urbanista Kee Yeon Hwang(2). O resultado da demolição das pistas foi a queda significativa do volume de tráfego da cidade inteira. Ou seja, o movimento de conscientização do povo coreano para as questões ambientais promoveu também uma mudança da matriz de transportes - passou-se a preferir os públicos em detrimento do veículo individual. E, além da melhora ambiental, houve considerável impacto na recuperação de bairros do entorno do Cheonggyecheon.



Nenhum comentário:

Postar um comentário